Todo agente cultural é meio D. Quixote

27/03/2010 15:42

 Por Guilherme Guaral

Dos personagens que já interpretei nos meus quase vinte cinco anos de carreira artística um dos que mais guardo boas recordações foi Dom Quixote de La Mancha. Por cerca de 5 anos vivenciei as angustias, as alegrias desse personagem mítico da literatura mundial que se transformou, para o senso comum em ícone da loucura e da utopia.

Dom Alonso Quixano o Dom Quixote depois de muita leitura resolve sair em busca de aventuras. Seu desejo maior é o de mudar o mundo, mesmo que para isso ela começe a enxergar gigantes em lugar de moinhos, batalhas de exércitos ao invés do encontro de dois rebanhos de ovelhas, um valente cavaleiro com seu elmo dourado ao invés de um barbeiro com sua velha tina para fazer barba. Encantado e encantador nosso personagem encarna o anti-herói, vislumbrando beleza nas pessoas e nos locais onde a realidade cinzenta não destaca, nem valoriza. Assim é que a desajeitada e suja Aldonsa se torna a musa inspitradora Dulcinéia del Toboso, um magro e velho pangaré se torna o vigoroso rocinante e o limitado e medroso empregado Sancho Pança se torna um fiel escudeiro.

Esse comportamente pode ser também tido como esquizofrenia. A criação de um mundo paralelo enxergando a vida pelo que se deseja e não pelos olhos do real pode parecer um tendência a melancolia e a depressão que afugentam a realidade.

Entre todas as possibilidade desse personagem genial de Miguel de Cervantes é o que nos liga a seu destino. Os agentes culturais, quando encarnam essa vocação assumem a postura de D.Quixote. Envergam seus sonhos como o cavaleiro da triste figura empunha a vassoura de sua empregada Teresita. Montamos em Rocinante e fazemos daquele pangaré magro nosso mais garboso corcel. O que nos impulsiona é a certeza de que podemos mudar o mundo. Que precisamos enxergar a beleza e a pureza das intenções onde o ambiente aparentemente não permita que nasçam flores e frutos.

Através de nossas peças, livros, histórias, fotos, quadros e esculturas desejamos mudar o mundo, recuperar o que foi perdido e criar novas formas de viver em plenitude o belo, o prazeiroso.

Todo artista é meio D.Quixote quando enfrenta as dificuldades e busca se apresentar pelos palcos, praças, salas e teatros pela vida, não perdendo a esperança diante de um ou de mil espectadores.

Todo agente cultural que acredita na Idade do Ouro não mede ersforços em tocar o seu Projeto de levar arte, educação e cultura nas periferias, nos morros, nas favelas, nos presídios, nos manicômios. Sabe que nesses lugares é bem mais possível estar a salvo e feliz do que em certos Teatros que cobram um mínimo abusivo e diante de uma platéia muitas vezes hostil e desinteressada. É claro que devemos também ter o ideal de manutenção da nossa vida, saciar nossos desejos e necessidades. Nesse momento entra em cena nosso lado Sancho Pança, com seu senso de realidade e seu pé no chão. Mas o que move o artista e o agente cultural apaixonado é a loucura do Dom Quixote e seu intuito demiurgico de reinventar o mundo, dotando-o de justiça, beleza, lealdade e humildade.

Meus gigantes e minhas batalhas quixotescas atualmente são a implantação de uma política Cultural sedimentada em EDITAIS e Premiações onde as verbas públicas sejam distribuidas de maneira justa e igualitária entre as diversas manifestações artísticas, priorizando o incentivo aos agentes culturais das periferias criando uma dinâmica de ampliação do conceito de espaços culturais, incentivando a produção, realização e fruição de obras artísticas por todos os bairros da cidade.

Minha Dulcinéia de Toboso é o Projeto Cabo Frio Cultura Viva transformando as Escolas Padrão da rede municipal de Ensino em Centros Culturais nos finais de semana gerando emprego e renda para os artistas e grandes espaços comunitários para a produção e apresentação do vigor cultural dos nossos artistas das mais variadas manifestações.

Rocinante é para mim a possibilidade de realizar esses sonhos de forma concreta como missão de um agente cultural dentro do aparelho do Estado. Com a sensibilidade de transformar obstáculos em épicas vitórias e a dura realidade em jardins floridos e exuberantes.

Não desejo nunca abandonar esse espírito de aventura e plasticidade que o nosso herói tão bem representa. Se ele conseguir fazer os que estavam em volta também acreditar em suas verdades, mesmo ridicularizado e humilhado tantas vezes, o saldo final é positivo pois nosso cavaleiro não viveu por viver e sim tornou a vida uma experiência fascinante. Fica aqui um brado à todos que militam no campo das Artes, da Educação e da Cultura: Coragem não percamos nossos sonhos! Afinal como diz o refrão da União da Ilha 2010 … Quem que não tem uma louca ilusão e um Quixote no seu coração!!        

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Todo agente cultural é meio D. Quixote

Data 25/04/2010

De Susiane Borges

Assunto Comunidade de D. Quixotes

Responder

Belíssimo texto...
Fica o convite para abrirmos uma comunidade de D. Quixotes pois, ainda mais nos tempos modernos, só vira realidade o sonho que é sonhado junto, no coletivo, no plural!